Eu vejo e leio muita coisa online, a toda a hora, todos os dias.
Algumas dessas leituras fazem parte do meu trabalho, outras são mero prazer, outras acontecem por acaso. O Facebook é a aplicação que nos traz mais palavras e imagens por minuto, sendo que o que o caracteriza é o facto de não escolhermos tudo o que lemos no nosso mural. Lemos de forma automática porque caiu em frente dos nossos olhos, não há tempo para muita selecção e não pensamos quase nunca no impacto, positivo ou negativo, destas palavras e imagens que nos entram pela vida dentro todos os dias.
Foi por isso que reparei com espanto que comecei a ter uma preferência por alguns posts que caíam no meu mural. Tirando os amigos e pessoas próximas que nos dizem algo mais pessoal, as muitas páginas de pessoas e projectos profissionais que seguimos acabam por se esbater nos milhares de pixeis de imagens que vemos e nas muitas letras que acompanham as conversas online.
Percebi que prestava uma especial atenção aos posts da Isabel Saldanha.
A
Isabel Saldanha é uma fotógrafa muito conhecida, mas eu não sabia disso até investigar melhor, comecei a seguir a página dela por causa com certeza de alguma fotografia que gostei, mas foi e é nas palavras que colo quase todos os dias.
A Isabel escreve bem, muito bem, mas também não é a qualidade da escrita que me deixa feliz cada vez que vejo a foto de perfil da página dela aparecer no meu mural.
Em cada entrada que ela faz no Facebook, para além da fotografia, há sempre uma história. Da vida dela, dos outros, do que ela vê, do que ela pensa e sente. Uma história com princípio, meio e fim, que me deixa invariavelmente com uma expressão na cara: riso, sorriso, pensamento, melancolia. Qualquer coisa, mas nunca fico indiferente ao que ela me contou naquele dia.
Este post podia ser um post técnico em que eu vos tento exemplificar como se deve fazer para ter uma boa presença nas redes sociais, mas não é. Não é, porque isto que a Isabel faz não se aprende, não se coloca como lembrete na agenda, não se escolhe fazer para o ano novo. Faz-se.
As palavras da Isabel não têm filtro, ela não precisa de muito para as escolher porque lhe são naturais, porque as histórias que ela conta, ela vive e imagina, porque os sentimentos de que ela fala, ela sente.
E depois há a coragem, o momento em que escrevemos algo e nunca, mas nunca pensamos duas vezes antes de publicar, porque estas são palavras...sem filtro.
Se quiserem perceber um pouco do que vos digo podem seguir a Isabel e as suas histórias diárias aqui:
facebook.com/isabelsaldanhaphotography
Mas não consigo resistir a deixar aqui 2 textos que a mim me tocaram especialmente em dois momentos diferentes, não os classificando pela sua qualidade mas pela magia de me falarem ao ouvido naqueles dias.
"Tenho uma amiga que quando me liga, costuma dizer sempre:
Estou te a ligar porque és a minha amiga mais feliz! Eu rio-me, agradecida. Sou feliz sim e quando não sou tanto assim, colo-me a ideia de que a tristeza é uma condição provisória, nem sequer lhe dou a importância de construir um abrigo, acho que quando nos defendemos muito o inimigo anima-se. Às vezes não percebo que haja tanta gente a viver numa consciência envergonhada de ser feliz, como se a tristeza fosse a maturidade da vida e um adulto feliz fosse um palhaço por disfarçar. Pouco me interessa se a alegria em excesso possa ser confundida com uma bebedeira em vida. Problemas toda a gente tem é um facto. Também nem toda a gente nasce com a sorte de ter um plug-in que dá "amonas" valentes a tudo o que tenta minar essa construção.
É inevitável, a tristeza irrompe sempre pela vida, o importante mesmo é não lhe dar conforto que chegue para se instalar. Como aquelas pessoas chatas que para apressar recebemos em pé.
Penso imensas vezes sobre as razões porque insisto tanto em ser feliz. Acho que à força de querer tanto já não sei ser outra coisa. E não tenho medo nenhum de o afirmar, porque também existem uns tantos teóricos da vida que acham que as coisas boas se guardam no cofre, eu prefiro saldar gargalhadas numa venda de garagem. Acho que é inegável que existe uma cumplicidade grande entre o sofrimento bem digerido e a maturidade. As melhores pessoas que conheço não são as tristes, são aquelas que digeriram a tristeza da vida e converteram isso em fermento de carácter. E essas pessoas, também não são aquelas que passam a vida a acusar a sua condição de orfandade para se fazerem grandes empoleirados na tristeza. São aqueles que choraram na altura certa, que deram o desconto ao sadismo da vida, que condescenderam desde novos com as incongruências do destino, que não desistiram dos seres humanos só porque nem tudo era perfeito, nem ficaram reféns na procura passiva do sentido de justiça. Essas são as pessoas TOP! São os amantes da vida. A malta que aprendeu a sacudir a poeira dos maus momentos com património de felicidade, são os que acreditam genuinamente nas pessoas e por isso ainda se surpreendem, são os que perceberam a dimensão do tempo e por isso conseguem viajar a partir de qualquer lugar. Essas pessoas que conheceram a evidência mais crua da vida são as que mais conseguem criar, são as que olham para uma planície árida e imaginam uma floresta imensa. Essas pessoas sentem-se responsáveis por animar o mundo, só porque se sentem agradecidas por serem animadas. Essas pessoas são guerreiras porque acreditam que o sentido maior da paz nasce na tranquilidade serena de aceitar que algumas batalhas da vida são feitas para perder. A dimensão do tempo é a dimensão da vida. O passado tem apenas o efeito edificante de nos lançar para o futuro e o presente é o lugar em que acontece tudo. Ninguém cuida muito das pessoas felizes porque elas parecem estar sempre bem. E as pessoas felizes sabem que têm que estar bem porque aprenderam a cuidar de si mesmas.
Não sei se sou a amiga mais feliz, mas sei que enquanto vou podendo, vou vivendo, sem medo, de ser apenas, feliz."
"Se procurasse nos álbuns, com sorte, talvez encontrasse uma foto enternecedora de um pai vintage com calças à boca de sino, camisa cintada de golas pontiagudas e uma criancinha loira com chapeuzinho de elástico na cabeça, sapatos ortopédicos e meias pelo joelho, que seria eu. Depois, punha uma legenda amorosa e era tudo mentira, porque um pai não se forja numa Polaroid, forja-se na presença dos dias, no impulso do carinho, na constância, no temperar da impaciência, na resiliência, na perspectiva de um futuro e no colo demorado. Não tive essa sorte, tive outras. O meu pai, da pasta só tinha o título. E como respeito o sentido etimológico das palavras desde que tinha idade para estar ao colo de um pai, passei a chama-lo "Senhor".
Que me perdoe o Senhor lá de cima que apesar de também aparecer pouco, dizem que quando dá os ares da sua graça, faz milagres. Sabia o que era um pai e tive um avó que desejei com muita força que tivesse o cabelo mais escuro para fazer as vezes de pai. Fiz me pessoa sem essa figura e não dramatizo, mas quando era criança, dava por mim a pensar qual seria o critério em falta para coxear como filha, pensei que isso estava lavrado no código das relações e quis denúncia-lo por incumprimento, mas o amor não se oferece a penas e cresci assim, forjando-me como sabia no amor a mim mesma. Mas vocês não loirinhas. Vocês tiveram a sorte de ter um pai à altura dos sonhos que tive para mim. E hoje quando dou por mim a invejar a forma voraz com que soletram Pai, dou por mim a pensar que o vosso amor próprio tem a dose certa do amor do pai e do amor desta mãe que recolhe muitas vezes ao quentinho do vosso colo para matar as saudades de uma fotografia que nunca conseguiu encontrar."